A dieta do Tipo Sanguineo
- Caio Poletti
- 3 de mai. de 2020
- 19 min de leitura

Índice
Introdução..............................................................................................................2
1 Tipos Sangüíneos..........................................................................................4
1.1 O sistema ABO.........................................................................................4
1.2 Lectinas.....................................................................................................5
2 Dieta do Tipo Sangüíneo...............................................................................7
2.1 Um pouco de história....................................................................................7
2.2 A receita.......................................................................................................9
2.2.1 Tipo sangüíneo O..................................................................................9
2.2.2 Tipo sangüíneo A................................................................................11
2.2.3 Tipo sangüíneo B................................................................................13
2.2.4 Tipo sangüíneo AB..............................................................................14
2.3 Supostas bases “científicas”.......................................................................17
2.3.1 Filogênese dos grupos sanguíneos.....................................................17
2.3.2 As lectinas segundo o autor................................................................20
3 Implicação - Aporte elevado de proteína animal – possíveis conseqüências para portadores do tipo sangüíneo O.....................................22
4 Outras Bases Científicas: Refutando a teoria...........................................23
4.1 Considerações sobre o sistema ABO.....................................................23
4.2 Considerações sobre as Lectinas...........................................................25
5 Conclusões e comentários..........................................................................28
6 Bibliografia obrigatória................................................................................31
7 Bibliografia complementar..........................................................................33
Introdução
Segundo Armelagos (2004), as dietas populares geralmente afirmam diretamente aquilo que a maioria das pessoas deseja ouvir. Em nosso trabalho pretendemos revisar a literatura buscando bases científicas acerca de uma dessas dietas, a Dieta do Tipo Sangüíneo, estejam estas bases refutando ou sustentando as idéias de Peter J. D’adamo, o criador da Dieta.
Este trabalho será composto por três blocos. O primeiro bloco trata de alguns conceitos fundamentais sobre o assunto, abordando os tipos sanguíneos. Nessa parte descreveremos propriedades dos tipos sangüíneos que definem cada um dentro do sistema ABO, bem como o papel das lectinas no organismo humano.
No segundo bloco trataremos da dieta propriamente dita, descrevendo um pouco de sua história, a “receita” disseminada pelo autor, as idéias principais descritas no livro “Eat Right For Your Type”, bem como as supostas bases científicas utilizadas pelo autor ao criar a dieta.
Considerando essas bases, apresentaremos alguns argumentos relacionados com a evolução do ser humano, abordando seus hábitos de vida, e alimentícios, bem como alguns aspectos fisiológicos do sistema digestório dos que viveram em épocas remotas.
Dentro das idéias de Peter D’adamo, apresentaremos as indicações alimentares disseminadas pelo autor, divididas em classes de alimentos, benéficos, neutros e nocivos, para cada um dos quatro grupos sanguíneos do sistema ABO.
No terceiro bloco do trabalho teremos além de uma análise sobre alguns aspectos relacionados ao seguimento rigoroso da dieta, um conjunto de conclusões tiradas da literatura que possibilitam refutar as idéias apresentadas no blocos anterior e uma análise crítica acerca do assunto, apresentadas em forma de conclusão e complementadas por comentários.
1 Tipos Sangüíneos
1.1 O sistema ABO
O conceito de tipo sangüíneo foi originado no início do século passado pelo patologista alemão Karl Landsteiner. Ele identificou dois antígenos encontrados na superfície das hemácias. Chamando estes antígenos de A e B, Landsteiner avançou descrevendo quatro grupos sangüíneos, A, B, AB e O, dependendo de qual antígeno cada um era detentor. Desde então, descobriu-se que o tipo A poderia ter os genes AA ou os genes AO, o B poderia ser BB ou BO, o AB teria de ser AB, e o O teria de ser OO. Os genes para decodificação desses antígenos são transmitidos de geração à geração. Landsteiner não sabia disso na época, mas o sistema de identificação ABO foi apenas o início. Desde a sua descoberta, 276 antígenos de hemácias foram encontrados.
Moreira & Matos (2004) relatam que o sistema ABO tem lócus no cromossomo 9 e é caracterizado pela expressão de dois antígenos carboidratos (A e B) na membrana dos eritrócitos e em muitos outros tecidos e dois anti-corpos plasmáticos (anti-A e anti-B) os quais aparecem após o nascimento. A síntese desses antígenos é controlada por glicotransferases específicas. Por sua vez, essas glicotransferases são capazes de converter o antígeno precursor “H” em antígenos “A” ou “B”. O gene “O”, apesar de estar presente em 46% da população, é codificado por uma glicotransferase anômala que é incapaz de modificar o antígeno “H”.
Estudos recentes estão começando a delinear o papel do grupo ABH no processo patológico da úlcera gástrica e na susceptibilidade individual a infecções virais. Entretanto, pouco é conhecido de como as transferases A e B são expressas em associação com outras glicoses transferases e do sistema de transporte dos açúcares dos nucleotídeos envolvidos na síntese dos antígenos ABH. As bases moleculares de como os genes ABO são controlados na expressão de células específicas, e durante a diferenciação de células, é obscura.
1.2 Lectinas
Trata-se da única classe de proteínas presente na natureza que é encontrada em animais, plantas, microorganismos, etc. As lectinas (hemaglutininas) são proteínas, não pertencentes ao sistema imunológico, porém capazes de reconhecer sítios específicos em moléculas e ligar-se a carboidratos na superfície celular, podendo ser caracterizadas e detectadas por sua habilidade em aglutinar eritrócitos, em certos casos com alta especificidade (Lis & Sharon, 1973; Askar, 1986 apud Silva & Silva, 2000). Os eritrócitos possuem em sua superfície uma grande quantidade de glicoproteínas e as lectinas se encaixam exatamente nos terminais de açúcar presentes na membrana dos eritrócitos, causando o que é denominado de aglutinação de hemácias.
Algumas lectinas são específicas em suas reações com grupos sangüíneos humanos ABO (Sharon & Lis, 1972 apud Silva & Silva, 2000). Além dessas propriedades, as lectinas podem promover estimulação mitogênica de linfócitos e
aglutinação de células cancerosas (Lis & Sharon, 1973; Liener, 1981 apud Silva & Silva, 2000).
2 Dieta do Tipo Sangüíneo
2.1 Um pouco de história
James D’adamo , Naturopata formado pela Naturopathic School em 1957, após trabalhar e estudar em várias clínicas de saúde européias (Spas), foi o mentor daquela que hoje é conhecida como “A Dieta do tipo Sanguíneo”. Cada um desses lugares oferecia um cardápio estritamente vegetariano e com gordura em baixa quantidade. Ele notou que em alguns dos pacientes, esse tipo de dieta não parecia fazer efeito; para uns a melhora não era significativa, outros até pioravam. Ele então passou a buscar um sistema que explicasse essas diferenças individuais.
O Naturopata procurou encontrar relações entre o tipo sanguíneo e a dieta mais adequada, baseando-se no fato de o sangue ser o responsável por levar nutrientes para as células e os tecidos corporais. Passados alguns anos James afirmou em seu livro “ One man’s food” ter reconhecido que cada um dos quatro tipos sanguíneos respondia melhor a determinados alimentos e atividades.
Seu filho Peter, autor de “Eat right 4 your Type” deu continuidade ao trabalho por meio de pesquisas. Segundo “The official website of the blood type diet”, por mais de 10 anos, foram coletados mais de 1000 artigos sobre os tipos sanguíneos e suas relações com estudos sobre doenças, antropologia, bioquímica e nutrição. Ele teria, ainda, testado em laboratório as reações de cada tipo sanguíneo a alimentos comuns. Após receitar a dieta para 4000 pacientes, ele averiguou que, além de determinar uma dieta ótima e os exercícios mais recomendados para cada indivíduo, o tipo sanguíneo também indica a eficiência metabólica, o nível energético, as respostas emocionais ao estresse e a suscetibilidade das pessoas a várias doenças. As conclusões resultantes dessas pesquisas causaram grande interesse na conferencia anual da sociedade americana de naturopatia em 1989, oferecendo material para a produção (com ajuda da escritora Catherine Whitney) do best-seller “Eat right 4 your type”, no qual D’Adamo propõe uma dieta “individualizada” baseada no grupo sangüíneo.
2.2 A receita
Como já foi dito neste trabalho, cada tipo sangüíneo deve seguir dietas específicas. Para cada grupo sangüíneo, os alimentos foram definidos pelos autores como;
Benéficos: alimentos que previnem e tratam doenças.
Neutros: alimentos que não previnem doenças, porém também não prejudicam a pessoa.
Nocivos: alimentos que podem agravar ou causar danos a pessoa.
2.2.1 Tipo sangüíneo O
Para o tipo sangüíneo O temos como alimentos benéficos:
• Carnes: bovina, carneiro, vitela, cordeiro.
• Peixes: bacalhau, badejo, sardinha, linguado, salmão.
• Frutas: ameixa, nozes, figo, semente de abóbora.
• Verduras: abóbora, brócolis, espinafre, alface romana, acelga, salsa.
• Outros: azeite de oliva.
Já os neutros, são os seguintes:
• Carnes: frango e peru.
• Peixes: atum, camarão, lagosta.
• Frutas: noz pecãn, castanhas, avelã, pinha.
• Verduras: abobrinha, agrião, inhame.
• Cereais: farelo de arroz, farinha de trigo integral.
• Outros: óleo de canola.
E aqueles prejudiciais (nocivos):
• Carnes: carne de porco e derivados como presunto e bacon.
• Peixes: caviar, salmão defumado, polvo.
• Laticínios: creme de leite, iogurte, leite (integral ou magro), a maioria dos queijos, sorvete.
• Frutas: laranja, morango, coco, amora, amendoim, castanha do pará, pistache, castanha de caju, abacate.
• Verduras: berinjela, champignon, milho, repolho
• Cereais: aveia, trigo, cuscuz e pão branco
• Outros: óleo de milho, óleo de amendoim
2.2.2 Tipo sangüíneo A
Pessoas com o tipo de sangue deveriam seguir esta lista de recomendações como alimentos benéficos:
• Peixes: bacalhau, salmão vermelho, salmão, sardinha, truta.
• Laticínios: queijo de soja, tofu.
• Frutas: abacaxi, ameixa, cereja, figo, limão, amora, damasco.
• Verduras: abóbora moranga, alface romana, acelga, brócolis, cenoura, acelga, alcachofra, cebola.
• Cereais: farinhas de centeio, arroz, soja e aveia, pão de farinha de soja.
• Outros: alho, molho de soja, melaço de cana, gengibre, chá verde, café normal, vinho tinto.
Já entre os neutros, encontramos:
• Carnes: frango e peru.
• Peixes: atum, pescada.
• Laticínios: iogurte, mussarela, ricota, iogurte com frutas, coalhada, queijo minas.
• Frutas: melão, passas, pêra, maçã, morango, uva, pêssego, goiaba, kiwi.
• Verduras: agrião, chicória, milho, beterraba.
• Cereais: fubá de milho, flocos de milho, cevada.
• Outros: açúcar branco, chocolate, alecrim, mostarda (seca), noz-moscada, manjericão, açúcar mascavo, orégano, canela, hortelã, salsa.
E como alimentos nocivos ao tipo sangüíneo A:
• Carnes: bovina, carneiro, cordeiro, pato, porco e derivados, vitela.
• Peixes: mexilhões, lagostim, salmão defumado, caviar, ostra, lagosta, camarão, caranguejo.
• Laticínios: creme de leite, sorvete, leite magro e integral, manteiga, requeijão.
• Frutas: caqui, carambola, côco.
• Verduras: repolho, tomate, inhame, batata, berinjela, batata doce.
• Cereais: Creme e germe de trigo, farinha de trigo integral, pão preto, pão integral, farinha branca, granola.
• Outros: alcaparras, gelatina pura, pimenta em grão, vinagre, cerveja, licor, chá preto, refrigerante.
2.2.3 Tipo sangüíneo B
Para este grupo, os alimentos benéficos são definidos pela lista:
• Carnes: carneiro, cordeiro, coelho, veado.
• Peixes: bacalhau, salmão, linguado, badejo, caviar, sardinha.
• Laticínios: iogurte, mussarela, coalhada, leite, queijo, ovos, ricota.
• Frutas: abacaxi, bananas, mamão, uvas, ameixa fresca.
• Verduras: batata doce, cenoura, berinjela, inhame, beterraba, brócolis, couve, repolho.
• Cereais: arroz integral, aveia integral.
• Outros: gengibre, salsa, açafrão, hortelã, pimenta, ginseng, gengibre, sálvia.
Enquanto que, aqueles neutros são representados por:
• Carnes: carne bovina, peru, vitela.
• Peixes: arenque, truta, atum, lula.
• Laticínios: leite soja, queijo parmesão, queijo soja, manteiga, requeijão, leite integral.
• Frutas: morango, laranja, kiwi, passas, pêra.
• Verduras: abóbora, agrião, alface, acelga, aipo, cogumelos, espinafre.
• Cereais: granola.
• Outros: café, vinho branco, cerveja, chá preto, chá de amora, hortelã, camomila.
E enfim, temos aqui os alimentos nomeados como nocivos à pessoas portadora deste grupo sangüíneo:
• Carnes: frango, pato, porco, presunto.
• Peixes: lagosta, camarão, anchova, caranguejo, polvo, ostra, polvo, mexilhão.
• Laticínios: queijo fundido e roquefort, sorvete com leite.
• Frutas: caqui, carambola, coco.
• Verduras: alcachofra, azeitonas, tomate, broto de feijão, milho verde.
• Cereais: farinha de trigo, milho, centeio.
• Outros: canela, maisena, pimenta branca e do reino, gelatina pura, refrigerantes, bebidas destiladas.
2.2.4 Tipo sangüíneo AB
Para o tipo de sangue AB encontramos as seguintes recomendações de alimentos benéficos:
• Carnes: carneiro, coelho, cordeiro e peru.
• Peixes: atum, bacalhau, cavala, sardinha, garoupa, truta.
• Laticínios: coalhada, iogurte, mussarela, ricota, queijo cottage.
• Frutas: abacaxi, ameixa, cereja, figo, limão, kiwi, uva, framboesa.
• Verduras: aipo, alho, beterraba, berinjela, brócolis, couve-flor, pepino.
• Cereais: arroz, farinha de centeio, de trigo, aveia.
• Outros: curry, alho, gengibre, camomila.
Já aqueles neutros são:
• Carnes: faisão, fígado.
• Peixes: arenque, linguado, carpa.
• Laticínios: leite e queijo de soja, leite desnatado, requeijão.
• Frutas: ameixa seca, pêra, passas, mamão, maçã, pêssego.
• Verduras: broto de bambu, cebolinha, escarola, agrião, vagem.
• Cereais: cevada, germe de trigo, granola.
• Outros: açafrão, mel, açúcar, melaço, chocolate, vinho.
E os nocivos, como definidos pelos autores:
• Carnes: bovina, frango, porco, presunto e vitela.
• Peixes: anchova, camarão, caranguejo, lagosta, linguado, ostra, mexilhão, siri.
• Laticínios: leite integral, creme de leite, queijo parmesão, provolone, roquefort, manteiga.
• Frutas: banana, caqui, goiaba, laranja, manga.
• Verduras: alcachofra, milho verde, nabo, pimentão, rabanete.
• Cereais: farinha de cevada, de milho, trigo sarraceno, cereais matinais, amido de milho.
• Outros: alcaparras, tapioca, vinagre, mel de milho, anis, maisena, malte de cevada, pimenta do reino e vermelha.
2.3 Supostas bases “científicas”
2.3.1 Filogênese dos grupos sanguíneos
O guia primordial da dieta do tipo sangüíneo pretende argumentar de maneira lógica a tese de que a origem dos grupos sanguíneos estaria ligada a acontecimentos da evolução da raça humana (segundo o autor cada um deles teria se desenvolvido separadamente em diversos momentos da evolução da espécie). Essa especificidade seria o ponto chave para explicar a tolerância desses indivíduos a determinados tipos de dieta. A partir desse pressuposto que o autor tenta, então, criar um “cardápio diário” para cada tipo sangüíneo.
• Os tipo O (46% da população), supostamente pertenceriam ao grupo genético mais antigo, datando da época antes da existência da população dos Cro-Magnon, e, possuindo tratos digestivos resistentes e sistemas imunológicos superativos, deveriam se alimentar basicamente à base de carne vermelha, à fim de satisfazer seus genes antigos de caçador. Os tipo O também deveriam evitar aveia, trigo, e a maioria dos grãos, porque todos são produtos de uma agricultura que não existia quando os indivíduos detentores do tipo O se originaram.
• Os primeiros tipos A (hoje, 40% da população) evoluíram após o início da sociedade agrária, cerca de vinte e cinco a cinqüenta mil anos atrás, e eram caracterizados por tratos digestivos sensíveis, e assim, sendo melhor adaptados à dietas com abundância em vegetais.
• De acordo com os autores, andando alguns poucos milênios à frente, cerca de dez a quinze mil anos atrás, quando tribos estavam migrando da atual África, com climas quentes, para a Europa, Ásia e América, de climas mais frios e severos, encontramos as populações com sangue tipo B (somando cerca de 10% da população atual), as quais representam a época nômade de nossa história. Esses povos, de acordo com os estudos desenvolvidos pela “família” D’adamo, possuíam seus tratos digestivos mais tolerantes, e poderiam ser os únicos a se aventurarem em produtos lácteos, além de serem permitidos a fazer outras escolhas em suas dietas, por exemplo, comendo carnes.
• E por fim, os criadores deste tipo de dieta dizem que o tipo de sangue AB (4% da população), uma adaptação relativamente recente, datado de 1500 DC, sendo uma “mistura” dos grupos A e B, se mostrava o grupo mais adaptativo de todos, possuindo os “benefícios e tolerâncias” (se é que podemos chamar assim), dos grupos A e B, e, não obstante, sendo o tipo de sangue mais raro entre todos .
É possível que existam interações importantes entre determinados tipos de alimentos e o tipo sangüíneo das pessoas. Mas é necessário pensar que a passagem de genes de uma geração para outra é equivalente a uma herança de informações genéticas, e que ao longo dos milênios tem havido uma variedade infinita de mistura genética. Por isto, parece improcedente a afirmação de D’Adamo de que, por exemplo, um indivíduo de tipo O tem hoje os mesmos imperativos genéticos do que tinha um tipo O perambulando nas savanas com lanças nas mãos.
Posteriormente, novas descobertas levaram a um aperfeiçoamento maior das recomendações da dieta. Essas descobertas dizem respeito ao fato de os indivíduos liberarem ou não os antígenos em suas secreções. Embora todas as pessoas possuam os antígenos de sistema ABO no sangue, algumas delas têm também este antígeno em suas secreções (saliva, urina, espermatozóides e mucos). Essas pessoas são chamadas de indivíduos secretores, enquanto que as pessoas que não apresentam o antígeno do sistema ABO nas secreções do corpo são chamadas de indivíduos não secretores. D’Adamo afirma que existem diferenças substanciais entre pessoas secretoras e não secretoras, quanto aos tipos de alimentos que podem ser ingeridos e às doenças mais freqüentemente associadas a cada tipo sangüíneo, entretanto, apenas afirma, não demonstra, ou prova, nada.
Cada ser humano é único, tem um código genético próprio e diferente de todos os outros. Baseando-se nesta afirmação D’Adamo diz que não existe uma dieta única e um estilo de vida que sirva a todos. Apesar disso, várias de suas recomendações para tipos sangüíneos específicos são relevantes para qualquer pessoa. Por exemplo, ele recomenda que as pessoas do tipo O devem alimentar-se corretamente para obter força e equilíbrio e praticar atividade aeróbia pelo menos três vezes por semana.
A essência do livro de Peter J. D’Adamo está na afirmativa de que cada tipo sangüíneo constitui uma mensagem genética do comportamento e da dieta de seus ancestrais, ou seja, o ser humano carrega em seu sangue uma parte da história da humanidade. Então, o estudo do tipo sangüíneo nos ajudaria a compreender qual a melhor forma de viver em harmonia com o nosso genoma, para desfrutarmos de mais saúde e longevidade.
2.3.2 As lectinas segundo o autor
Segundo D’adamo, as lectinas são proteínas presentes nos alimentos que reagem com os antígenos do sistema ABO causando aglutinação das células do sangue, ou seja, um alimento pode ser nocivo às células de um tipo de sangue e benéfico a outro.
Assim, ingerir alimentos contendo lectinas incompatíveis com o seu grupo sanguíneo, causaria aglutinação sanguínea, podendo, inclusive, ocasionar lesão no órgão onde a aglutinação ocorreu.
Além disso, o autor afirma que as lectinas seriam também responsáveis por reações extremamente fortes no sistema digestório, ocasionando inflamação da mucosa intestinal, com características semelhantes as alergias alimentares. D’adamo também defende a idéia de que o sistema nervoso é sensível à aglutinação sanguínea ocasionada pelas lectinas, e isto supostamente explicaria o efeito da alimentação de acordo com a dieta de Peter D’adamo no auxílio ao tratamento da depressão, síndrome do pânico, distúrbio obsessivo compulsivo, doença bipolar e em particular da hiperatividade.
3 Implicação - Aporte elevado de proteína animal – possíveis conseqüências para portadores do tipo sangüíneo O
Em tempos remotos, até mesmo antes de Cristo, lutadores deduziam erroneamente que, sendo o músculo uma estrutura basicamente composta por proteínas, quando se ingeria grandes quantidades de carne vermelha, sua força para as batalhas era aumentada. Porém, de acordo com estudos de Coyer et al. (1987) e Millward (1989) apud Lancha Jr. (2002), quando há uma ingestão de proteínas além das necessidades diárias implica em sobrecarga orgânica, que, consequentemente provoca déficit energético e com isso, o indivíduo deveria elevar seu consumo calórico diário.
Ou seja, seguindo as proposições de D’adamo, sujeitos detentores do tipo sangüíneo O, os quais deveriam ingerir maiores quantidades de proteína animal (carne vermelha) e menores quantidades de alimentos ricos em carboidratos (trigo, lácteos e grãos), obtendo assim um desequilíbrio protéico-calórico, provavelmente apresentariam um quadro semelhante ao dos lutadores descritos acima, vivenciando um déficit energético.
Além disso, um aporte protéico elevado, de acordo com estudos de Brenner et at. (1982), Lemon et al. (1991) e Ganong (1996), citados por Lancha Jr. (2002), promove certas alterações na funcionalidade renal, como o aumento na concentração de uréia, causado pelo elevado processo de desaminação, implicando em maior diálise renal.
22
4 Outras Bases Científicas: Refutando a teoria
4.1 Considerações sobre o sistema ABO
Como foi dito anteriormente, é possível que existam interações importantes entre determinados tipos de alimentos e o tipo sangüíneo das pessoas. Entretanto um ponto discutível é a constante mudança e adaptação do ser humano aos fatores ambientais, o que inclui, além da permutação gênica, também seus hábitos alimentares.
Além disso, a afirmação de D’Adamo quanto ao surgimento do tipo O como sendo o primeiro da escala evolutiva humana é discutível. Moreira & Matos (2004) abordaram essa questão em seu estudo sobre a genética do sistema ABO e sua relação com o sistema imune e argumentaram acerca da dieta do tipo sangüíneo proposta pelo naturopata. Uma das indagações sobre as proposições de D’Adamo é se o tipo “O” foi o primeiro a aparecer em seres humanos.
Moreira & Matos relatam que o sistema ABO tem lócus no cromossomo 9 e é caracterizado pela expressão de dois antígenos carboidratos (A e B) na membrana dos eritrócitos e em muitos outros tecidos e dois anti-corpos plasmáticos (anti-A e anti-B) os quais aparecem após o nascimento. A síntese desses antígenos é controlada por glicotransferases específicas. Por sua vez, essas glicotransferases são capazes de converter o antígeno precursor “H” em antígenos “A” ou “B”. O gene “O”, apesar de estar presente em 46% da população, é codificado por uma glicotransferase anômala que é incapaz de modificar o antígeno “H”.
Sendo assim, caso adotássemos a linha de pensamento de D’Adamo, em primatas não-humanos, não deveria existir outro antígeno senão o “H”, o que não é verdade segundo vários estudos filogenéticos. Esses estudos também comprovam que o antígeno “A” é o precursor.
Além disso, outra explicação que vai contra as idéias de D’Adamo é a que se baseia no senso evolutivo darwiniano de que é improvável que os antígenos A e B (normais) tenham evoluído do tipo “O” (anormal).
Outro ponto abordado por D’Adamo e questionado por Moreira & Matos (2004) é o que tange o sistema imunológico. O introdutor da dieta se baseia nos grupos sanguíneos, pois acredita que esses são a “chave” para o sistema imunológico, por mais abrangente e difuso que isso possa aparentar. Moreira & Matos apresentam relações e ligações entre o sistema imunológico e os tipos sanguíneos: a) os grupos sangüíneos agem de forma paralela e semelhante ao sistema imunológico, já que ativam respostas imunológicas frente a antígenos provenientes de transfusões de sangue incompatíveis, gestação e transplantes de órgãos; b) uma pessoa pode apresentar produção regular e irregular de anticorpos específicos para antígenos de um grupo sangüíneo; c) ocorre maior liberação de carboidratos ABO (A e B) quando secreções e tecidos entram em contato com a pele ou mucosas dos tratos respiratório e gastrintestinal.
Entretanto, há também indícios de que o sistema imunológico não é totalmente dependente do sistema ABO, como por exemplo, a infecção pelo bacilo Helicobacter pylori, que é mais comum em indivíduos tipo “O”, o qual deveria ser o mais “protegido” por conter os dois anticorpos (Anti-A e Anti-B). Outro fato interessante que contribui para essa independência do sistema imunológico é o fato de que poucos grupos sanguíneos expressam seus genes em outros tecidos que não o hematopoiético. O sistema ABO é capaz de detectar antígenos A e B através dos anticorpos Anti-A e Anti-B, mas não é capaz de detectar outros invasores maiores, não protegendo o organismo por si só, portanto é um tanto quanto contraditório afirmar que grupos sanguíneos são a “chave” para o sistema imunológico.
Cada ser humano é único, tem um código genético próprio e diferente de todos os outros. Baseando-se nesta afirmação D’Adamo diz que não existe uma dieta única e um estilo de vida que sirva a todos. Apesar disso, várias de suas recomendações para tipos sangüíneos específicos são relevantes para qualquer pessoa. Por exemplo, ele recomenda que as pessoas do tipo O devem alimentar-se corretamente para obter força e equilíbrio e praticar atividade aeróbia pelo menos três vezes por semana.
4.2 Considerações sobre as Lectinas
As lectinas são consideradas, na literatura, juntamente com os inibidores de protease, antinutrientes, ou seja, fatores que podem provocar efeitos fisiológicos adversos ou diminuir a biodisponibilidade de nutrientes. O principal problema relacionado à estas substâncias é o desconhecimento dos níveis de tolerância, do grau de variação do risco individual e da influência de fatores ambientais sobre a capacidade de detoxificação do organismo humano. Uma característica importante desses fatores é o fato de serem considerados instáveis ao tratamento térmico. Silva & Silva (2000) em estudo sobre fatores antinutricionais: Inibidores de proteases e Lectinas relatam vários experimentos realizados com animais que comprovaram a existência de correlação entre a administração de lectina e diversos danos ao intestino e outros órgãos de camundongos, ratos e porcos demonstrando sua capacidade de provocar reações específicas importantes sob o aspecto de segurança alimentar. O fato das lectinas reconhecerem e ligarem-se a receptores glicosilados de células epiteliais localizadas nas vilosidades da mucosa intestinal desses animais confere a estas proteínas propriedades negativas quanto a interferência nos processos de digestão, absorção e utilização de nutrientes.
As autoras afirmam ainda que é possível provocar inativação dessas lectinas ou redução da atividade hemaglutinante a valores negligenciáveis é usualmente por métodos tradicionais de preparo doméstico ou processamento industrial dos alimentos (Muelenaere, 1965; Antunes & Sgarbieri, 1977; Pak et al., 1978; Noah et al., 1980; Askar, 1986; Ojimelukwe et al., 1995 apud Silva & Silva, 2000).
Com base na literatura cientifica é possível comprovar que lectinas podem causar danos ao organismo. Porém é importante frisar que essas substâncias apresentam diferentes propriedades hemaglutinantes quando testadas com eritrócitos de diversos animais. No entanto, para os seres humanos, apenas algumas delas apresentam toxicidade interagindo com eritrócitos ou apresentando especificidade para determinadas células, enquanto outras não apresentam qualquer reação adversa.
A partir dessas conclusões, é possível contestar a veracidade das afirmações de D’Adamo a respeito do efeito de um determinado tipo de alimentação (contendo Lectinas específicas para os indivíduos de cada tipo sanguíneo) sobre o trato gastrintestinal dos mesmos, visto que a maioria dos alimentos que as contém são consumidos após aquecimento ou cozimento, procedimento esse capaz de inibir suas possíveis ações. Além disso, não há evidências de que as lectinas presentes nos alimentos apropriadamente processados sejam tóxicas ao homem (Deshpande, 1992 apud Silva & Silva, 2000); os possíveis efeitos adversos dessas podem ser inferidos somente de experimentos com animais de laboratório.
5 Conclusões e comentários
Após analisarmos os dados obtidos na literatura científica (vide Bibliografia) e as “indicações” disseminadas pelos autores da dieta, podemos chegar a diversas conclusões acerca desse amplo e complexo assunto.
Primeiramente, vale ressaltar que o organismo do homem contemporâneo, devido à evolução sob diferentes contextos, não pode ser comparado tão estritamente àqueles que viveram a dezenas de milhares de anos atrás, visto que ocorreram adaptações altamente específicas em diferentes locais e sociedades. Assim, mesmo Peter D’adamo defendendo a idéia de que sua dieta seja personalizada, sugerimos a presença de alguns equívocos na formulação da mesma;
Na análise das receitas preconizadas pelos autores (vide o capítulo “A dieta”), dificilmente encontramos grandes diferenças entre os tipos sanguíneos, no que tange os macronutrientes, excluindo-se a indicação ao tipo O, que apresenta uma ingesta protéica mais acentuada.
Numa comparação entre os outros tipos (A, B e AB), não encontramos base científica alguma que poderia nortear os pensamentos de D’adamo. O autor apresenta aos seguidores a lista de alimentos benéficos, neutros a maléficos, dizendo que, por exemplo, para o tipo sangüíneo A, o qual possui trato gastrintestinal sensível, deveria evitar a ingestão de proteína animal.
Partindo disso, na lista de alimentos benéficos, encontramos alimentos como, bacalhau, salmão vermelho, salmão, sardinha e truta, em alimentos neutros, o atum e a pescada, e em alimentos maléficos, observa-se caviar, ostra, lagosta, camarão e caranguejo, sendo que todos esses alimentos se encaixam na mesma classe, no que toca os macronutrientes. E além de não apresentar as bases científicas para tal, é fácil deduzir que pesquisas que testem a validade dessas indicações, seriam altamente inviáveis, pois é inimaginável formar grupos de sujeitos, divididos por grupo sangüíneo, aplicar uma dieta seguindo esse tipo de indicação tão detalhada quanto ao alimento (atum, pescada ou salmão, por exemplo), verificar resultados, e encontrar diferenças suficientes entre os efeitos de cada um desses alimentos sobre os sujeitos. Sem levar em consideração que, não entramos nos méritos das outras classes de alimentos (frutas, verduras e cereais, por exemplo).
Outro ponto importante é a relação do tipo sangüíneo com o sistema imunológico, que já foi abordada anteriormente, e, como contestaram Moreira e Matos (2004), não é tão íntima e interdependente quanto proposto pelos autores da dieta analisada.
E, por fim, coloquemos aqui um ponto muito importante: Durante nossas buscas por evidencias científicas, que provassem ou refutassem as idéias de D’adamo, encontramos no portal científico eletrônico PubMed, apenas três citações contendo “blood type diet” no título, resumo ou texto completo. Já no website “Portal da pesquisa”, nenhuma citação foi encontrada. E todas nossas bases “realmente” científicas foram retiradas de revistas gabaritadas no mundo acadêmico, sendo estas de diversas áreas, dentre elas, antropologia, medicina, enfermagem e a própria nutrição (vide Bibliografia).
Assim, podemos dizer que, não apresentando bases científicas relevantes em sua obra, se é que existem, que comprovem resultados relacionados com suas possíveis hipóteses, Peter D’adamo, no mínimo, teme sua caracterização como integrante do extenso grupo do charlatanismo.
Com isso, chegamos ao final de nossa revisão de literatura, retomando aqui ainda a tecla na qual batemos durante quase todo o projeto, de que, certamente não há bases científicas suficientes que estruturem as idéias do autor da dieta, que encontra-se descrita no best-seller de Peter J. D’adamo, “Eat Right 4 Your Type”, e disseminada em outros “clássicos” da área.
6 Bibliografia obrigatória
Tufts Experts. Is there any relationship between blood type and nutrition? Are certain foods detrimental to some blood types and excellent for other blood types?. Tufts University Health & Nutrition Letter, 10 2006; 24(8); p.7
Mattos, L. C., Moreira, H. W. Genetic of the ABO blood system and its link with the immune system. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, 2004; 26 (1): p.60-63.
Kominato, Y., Hata, Y., Matsui K., Takizawa H. Regulation of ABO gene expression. Legal Medicine, 7 2005; p.263-265.
Swafford, K., Kimberlin D., Burns, M. T. Educational Materials in review. Jornal of Nutrition Education end Behavior, 2004; 36: p.159-168.
Williams, L., Williams P. Evaluation of a tool for rating popular diet books. Nutrition and Dietetics 2003; 60(3): p.185-197.
Blonz E. Book Review: Eat 4 For Your Type (1996). em http://www.quackwatch.org/04ConsumerEducation/NegativeBR/d'adamo.html, acessado em 23/03/2007.
31
Armelagos, G. Evolutionists and Creationistis at the Dinner Table. Evolutionary Anthropology, 2004; 13: p.53-55.
Baldwin, E. J. Fat Diets in Diabetes. The British Journal of Diabetes and Vascular Disease, 2004; 4: p.333-337.
Daniels, J. Fad diets: Slim on good nutrition. Nursing, 2004; 34(12): p.22-23
Khan, F., Khan, R. H., Sherwani, A., Mohmood, S., Azfer, A. Lectins as markers for blood grouping. Medical Science Monitor, 2002; 8(12): p.293-300.
32
7 Bibliografia complementar
LANCHA JUNIOR, Antonio H. Nutrição e metabolismo aplicados à atividade motora. São Paulo : Atheneu, 2002
SILVA, Mara R. & SILVA, Maria A. A. P. Fatores Antinutricionais: Inibidores de Proteases e Lectinas. Revista de Nutrição vol. 13 nº 1, Campinas, jan/abr 2000.
33
Comments