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Uma boa remada e um bom mate

  • Foto do escritor: Caio Poletti
    Caio Poletti
  • 3 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura

Expedição de Caiaque na Patagônia

400 quilômetros e um bom mate

Você não pode fugir do tempo da Patagônia. Embora a palavra “tempo” não faz justiça às forças elementares que regem a extensão dos glaciares no sul do Chile. O vento lhe derruba. A neve enterra você vivo. A névoa gelada obscurece a visibilidade por dias. É um lugar que faz você se sentir pequeno, mas, também muito vivo.” Escreveu Tom Ulrich após remar pelos fiordes chilenos.



Em fevereiro deste ano, me juntei a mais 3 instrutores (o lendário remador Fabio Raimo, o velejador americano Gene Trantham e o naturalista inglês Jon Kempsey) e outros 12 alunos da National Outdoor Leadership School (NOLS), escola de liderança por meio de expedições,  para partir por um mês de exploração de Caiaque Oceânico nos fiordes da Patagônia Chilena, mais especificamente na região de Chonos.

Um bom planejamento eu costumo dizer que é 60% da expedição, pois irá prevenir inúmeros problemas de que quando você esta no mar, isolado de tudo e todos, as coisas ficam muito mais complexas. Portanto checar caiaques, mapas, equipamentos de segurança e acampamento, comida (+ de 800 kg) e combustível (+ de 65L),em detalhes, é essencial para a segurança e sucesso da expedição.

Junto com a preparação e logística, sessões de team building (desde um churrasco até uma reunião formal) com as pessoas que você vai passar o próximo mês dividindo barraca, armando o acampamento no final de dias épicos de remadas (quando sair do caiaque já não é uma coisa fácil), tomar decisões ao meio de vento e tempestades, se tornam muito importantes para o bem estar e desenvolvimento da expedição.

Saímos da base em Coyahique e viajamos pela famosa Carretera Austral até chegar ao Vilarejo Puerto Tranqüilo. Caiaque, comida, combustível e rota checados. Grupo preparado e cheio de vontade de fazer um dos roteiros mais belos e isolados do mundo. Mas no fundo sabíamos que não seria nada fácil, nunca é.

No começo da expedição a Patagônia nos presenteou com um ótimo tempo. Ventos calmos, sol na maioria dos dias, leões marinhos e centenas de pássaros nos acompanhavam todos os dias. Aproveitamos essa boa janela para fazermos milhagem. Além de ser bom aumentar à hora/bunda caiaque que faria o grupo  responder melhor quando chegasse um momento “type 2 of fun” (aquele quando você se pergunta “o que eu estou fazendo aqui?”, já dizia o caiaquista Kurt Hotchkiss).

Após 10 dias de expedição, começaram a surgir alguns problemas. Remar caiaques super carregados, horas e horas por dia e sem muitas opções de paradas, fizeram alguns corpos reclamarem do esforço repetitivo. Isso mostrava que uma boa técnica é aquela em que há remadas eficientes com a menos força e com movimentos que protegem as articulações. Isso nos fez diminuir a velocidade e sobrecarregar outros remadores que teriam que rebocar os caiaquistas com lesões. No grupo, tentamos fazer que isso fortalecesse o espírito de equipe e mostrar que somos uma unidade.

Alguns dias mais tarde, o vento mudava de direção, o barômetro começou a cair e começamos a ver a mudança dos tipos de nuvem. Era um sinal que o bom humor da Patagônia estava para mudar. O famoso vento NO havia chegado, com rajadas que chegavam a 40km/h. Eram sessões intermitentes de mar cheio de carneirinhos com janelas de calmaria. E foi justamente na  fase onde as travessias seriam mais freqüentes e distantes. Fazendo uma análise de risco sobre alguns fatores – Condições de tempo, mar, terreno e humanas – o farol amarelo começou a piscar e toda dia exigia uma atenção redobrada. Após alguns dias nestas condições, o cansaço físico e psicológico era claro. Mas a vontade de ajudar o grupo e o foco em fazer uma expedição de sucesso deram o suporte psicológico quando os problemas surgiam.

Toda travessia exigia uma atenção e foco que refletia nos olhos e no silêncio do grupo, quebrado por frases curtas e claras de orientação em meio às ondas estourando nos decks dos caiaques. O acampamento inteiro, junto com a água fervida, estava pronto em 30 min. após a primeira pessoa sair da água. Todos os detalhes que a natureza e o grupo mostravam, eram analisados e reavaliados a cada pernada que remávamos. A eficiência tanto no mar quanto em terra eram importantes para que pudéssemos ter uma vida confortável neste um mês de expedição.

Após dias de chuvas e ventos fortes e com um terreno desafiante, o grupo havia sido testado pela ambiente e se testado como expedição. Aprendemos e nos divertimos bastante (muitos destes foram “type 2 of fun”). Soubemos como viver com pouco, sem luxo, mas com conforto físico e mental, mesmo quando todas as condições querem te fazer lembrar o porquê não há muitos visitantes nesta região e quando Magalhães, Darwin e Fitzs Roy passaram por lá, não ficaram muito tempo para apreciar as belezas que ela proporciona.

Do mesmo jeito que a Patagônia soube desafiar uma frota de 12 caiaques, explorando seu mar, ela soube presentear na semana final da viagem com um bom tempo e uma das mais belas paisagens da nossa rota, o Fiorde Aysen.

E assim chegava ao fim nossa expedição. Remávamos todos juntos cercado por Glaciares e Montanhas e nos preparando para tomar o tão esperado mate com os gaúchos e contar as proezas daqueles 12 barquinhos pelo fascinante mar Patagônico. Foram por volta de 440 quilômetros de muitas historias desafios e aprendizagem. Era a hora de voltar para a casa e refletir sobre os ensinamentos que tivemos e os transferir para nossa vida. Também não víamos a hora de diminuir a distancia de pessoas e coisas que fizeram falta neste um mês isolados. Sabíamos que desde a saída de Puerto Tranqüilo até tomar aquele mate quentinho (o qual sonhávamos exaustos dentro das barracas) não seria nada fácil, como nunca é na maioria das coisas que valem à pena na vida. E essa, definitivamente, valeu!

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